textos e citações
"As criações da arte são sempre resultado do ter-estado-em-perigo-até-o-fim numa experiência, até um ponto que ninguém consegue transpor. Quanto mais se vai, tanto mais a vivência se torna própria, pessoal, singular - e o objeto da arte é, afinal, a expressão necessária, irreprimível e o mais definitiva possível dessa singularidade...Nisto está o auxílio colossal do objeto de arte para a vida de quem precisa fazê-lo - ele é sua síntese: a conta do rosário, em que sua vida diz uma oração, a prova sempre recorrente (dada para ele mesmo) de sua unidade e veracidade, a qual só se volta realmente para ele e cujos efeitos externos parecem anônimo, sem um nome dado, como necessidade apenas, como realidade, como existência."
(Rainer Maria Rilke)
A TERAPIA PROFUNDA E O CUIDADO PARA A EXPRESSÃO DA ALMA
A cura da alma é um processo parecido com o da criatividade, de modo que talvez o trabalho do artista seja paradigma útil. O artista é envolvido por imagens que flutuam para cima em direção a consciência. Muitos artistas declararam que às vezes começaram um trabalho com determinada ideia em mente, mas então outra coisa assume o comando. Afirmam que suas melhores obras surgem quando são capazes de submeter seu ego e seu talento para expressar essas imagens através da pintura, do som ou das palavras. Assim, como observou Jung, o processo criativo envolve a "ativação das imagens arquetípicas e a representação das imagens na obra terminada." (James Hollis, trecho do livro: Sob a sombra de Saturno)
ARTETERAPIA ENVELHECIMENTO E VELHICE - Breves Considerações:
O envelhecimento e a velhice são vistos e vividos de modo geral na sociedade em que vivemos com uma carga negativa e sinônimo de doença. Porém, o contato do indivíduo na velhice com o rico contexto da experiência artística pode reunir aspectos altamente importantes e positivos a serem desfrutados nesta fase da vida, trazendo portanto uma perspectiva mais ampliada de saúde. Desde a relação com os materiais até as possibilidades de expressão, e no trabalho com as técnicas de recursos expressivos variados, que contemplem mente, corpo e alma, todos reúnem, na vivência dos processos criativos, aspectos que podem ser transformadores na velhice.
Como benefícios da prática em arte e aspectos que contribuem no processo de envelhecimento e na velhice do indivíduo podemos destacar: 1) o estímulo à expressão e a criatividade, ressaltando que criar em arte pode mobilizar novas formas de lidar com outras questões da vida, ou seja, como diz Azambuja: “A criatividade envolve a capacidade de inovar respostas frente a desafios no cotidiano com novas ideias e ações”. 2) o desenvolvimento e/ou recuperação de habilidades manuais e corporais, o que pode em muito colaborar para melhoras sobre queixas de dores diversas, sintomas múltiplos, estresse. 3) o reconhecimento de potencialidades no que diz respeito ao desenvolvimento de uma habilidade, constatada no contato com uma linguagem de expressão artística. 4) aquisição de um sentido de autovalor, o que também pode resgatar e aumentar a autoestima pelo fato de o idoso se ver capaz, criativo e autor da própria obra na expressão de seus processos. 5) o processo pode gerar mais autoconhecimento, o que permite lidar melhor com suas questões e por consequência facilitar as trocas nas relações. 6) a memória é estimulada, permitindo transitar no tempo cronológico reavivando fatos que definiram sua história pessoal. E ainda, 7) quando as atividades artísticas acontecem em grupo, pode contribuir para a ampliação do círculo social e uma possível formação de vínculos pela descoberta de afinidades entre os participantes. (trecho da pesquisa A Velhice com Arte na Perspectiva do Redimensionamento da Existência. Landmann, Elisabete - IJEP - Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa - FACIS SP
“O ser criativo é maior do que qualquer solo, ou seja, os recursos para expressarmos a obra são menos importantes do que a obra, o ato de criar. Contudo, cabe ao terapeuta decidir proporcionar um solo que abrigue as imagens da obra ou deixe livre para que as imagens repousem onde encontrar abrigo.” Claudia Brasil
MELANCOLIA E DEPRESSÃO
No texto abaixo W. Magaldi (Coodernador de pós graduação do IJEP-SP) nos apresenta um destaque da visão de Leon Bonaventure, um dos pioneiros da psicologia analítica junguiana no Brasil, sobre a temática da depressão.
"O propósito é expor como o autor se relacionava com o mundo da depressão. Em outros termos, sua atitude em relação aos movimentos de retiro interior, seja das pessoas que lhe procuravam, seja do seu próprio movimento interno.
Léon nos convida a tratar a melancolia como uma convidada de honra, escutando-a e enxergando-a ao invés de simplesmente atacá-la ou negligenciá-la. Segundo Jung, toda doença é uma tentativa de cura e diante da dualidade, sempre presente, em toda a escuridão se oculta uma pequena luz. Ainda conforme nos ensina Jung, os deuses tornaram-se doenças. Assim, é preciso cultuar esse elo perdido por meio de um retiro interior.
Trazendo também um pouco da simbologia relacionada, aborda-se a necessidade de mergulhar nesse escuro caos abissal na busca pelo crescimento e criação. Certamente não é um caminho fácil, e nem de longe deve ser romantizado, mas trilhá-lo, cada um a sua maneira, se apresenta como uma via de transmutação e renascimento.
Ao analista, por sua vez, cabe acolher e observar, não com as lentes da criticidade e do sentenciamento, mas com um olhar de alma, pois, “somente a alma pode perceber outra alma”, pois, como diria Léon, dentro do não sentido existe um sentido, mesmo no deserto há vida a ser vivida. Depois do inverno se anuncia a primavera e é sempre tempo para acordar do longo e pesado sono dos ursos."
Fonte: Léon Bonaventure. Miscellanea. Feliz depressão: experiências da clínica e da vida como psicoterapeuta. 2021